Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
29/03/2009 15h58
Lugar Luminoso, Praia Azul, Vista do Lago: Copacabana
Lugar Luminoso*, Praia Azul*, Vista do Lago*:  Copacabana
®Lílian Maial
 
 
Hoje, após mais um longo passeio, vou escrever sobre um dos bairros mais conhecidos do Rio de Janeiro: Copacabana.
Está aí um bairro que contém inúmeros bairros! Temos o Leme (vizinho), o Lido e o  Bairro Peixoto. São várias Copacabanas dentro de Copacabana.


Copacabana é um centro nervoso, onde se espremem turismo, comércio, praia, superpopulação, prédios antigos e tradicionais, com edifícios do tipo cabeça-de-porco, consultórios, academias, mais comércio, mais turistas, hotéis em profusão, pessoas de todos os tipos, etnias e formas de se vestir e se comunicar, e um burburinho enlouquecedor de gente e de vida, que precisa estar atento para desviar de dejetos. É um dos bairros com maior número de cachorros por metro quadrado!
Copacabana é um vício, uma praga, uma maldição e o paraíso.


Não dá para se diferenciar alguém louco de alguém normal, ou de alguém apenas diferente, em Copacabana. Aqui todos são diferentes de tudo, O bairrro é diferente. Só caminhando por suas ruas para entender.



O centro comercial de Copacabana se estende pelas duas mais famosas e movimentadas  ruas do bairro: Avenida Nossa Senhora de Copacabana e Rua Barata Ribeiro. Ali tudo circula, tudo se acha, tudo se perde e tudo se acostuma. Você olha e não acredita em tanta gente, tanta loucura, tanta informação para tão curto espaço físico! Mas todas as pessoas acabam procurando o que querem em Copacabana.


Numa das extremidades, está o Bairro Peixoto, que é uma gracinha! Parece uma pacata pracinha do interior, roadeada de ruas arborizadas e silenciosas, por onde não trafegam ônibus, o que lhe dá uma aparência de paz e tranquilidade, e onde brincam felizes crianças e suas mães e babás. Também, a não existência de comércio naquele trechinho de Copacabana que se recusa e avançar no tempo, confere um ar recatado e pouco povoado, com prédios de gabarito baixo, quase todos de estilo antigo, sem garagem, e com aquelas inconfundíveis persianas de madeira acopladas à janela de erguer. É um pedaço nostálgico de Copacabana, cujos habitantes são, em sua maioria, da terceira idade.


Interessante observar, por exemplo, que a rua que abriga uma das mais conhecidas sinagogas do bairro (Copacabana é um bairro tyradicionalmente de comunidade judaica), tem seu nome de Capelão Álvares da Silva. Só mesmo em Copacabana...


Passeando no calçadão da Avenida Atlântica, você tem a exata sensação de estar em outro país. Tem mais pessoas com aparência estrangeira, do que nativos. Carros luxuosos, apartamentos sofisticados, gente bonita, sol e mar, e uma interminável legião de quiosques e barzinhos a cada cem metros.


No Lido, onde fica situado um dos melhores restaurantes de comida árabe do Rio, as crianças ainda brincam, em meio a pedintes e banhistas regressando do mar, andando seminus pelas ruas, deixando rastros de areia e alegria.


 
Mais para o Leme, há o contraste da malandragem, do submundo e da exploração, com a população nativa de menor poder aquisitivo, salpicado de construções art dèco fartamente distribuídas pelas imediações.



Só mesmo no Leme se pode ver, de um lado da calçada, um grupo de homens na porta de um botequim, jogando cartas e bebendo quase sem roupa, não aliviando nem a mulher que passa acompanhada, e, do outro lado, duas amigas espremendo espinhas e cravos em plena esquina, ao sol do meio-dia!


Copacabana é isso aí: uma miscelânea incrível de tipos e estados de espírito, que fazem da eterna Princesinha do Mar a verdadeira rainha da orla carioca.
 
 
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*todos esses são traduções de possíveis origens do nome Copacabana

Publicado por Lílian Maial em 29/03/2009 às 15h58
 
22/03/2009 22h50
SILÊNCIOS

Silêncios
®Lílian Maial

 
 
Os silêncios são uma forma de comunicação. E não há um silêncio, há silêncios.
As rosas não falam”, mas os silêncios dizem muito.
Já dizia o velho ditado: “quem cala, consente”. E eu inventei um: “quem cala, sente”. E sente muito, mesmo! Ou não, como diria Caetano Veloso. Neste caso, o outro é que sente. O interlocutor idiota (nada mais idiota do que falar, falar, falar e seu ouvinte não ouvir, ou não dar a mínima, ou apenas calar)!
Silêncios podem guardar a serenidade da espera, ou a agitação da falta de notícias.
Silêncios podem significar emoção, quando não se tem palavras para expressá-la.
Podem também significar ignorância.
Podem ainda ser uma arma, um subterfúgio, uma forma de ficar neutro, de não tomar partido ou assumir uma posição.
Alguns silêncios são defensivos, quando uma simples palavra poderia desencadear uma guerra, ou exigir explicações, ou até mesmo desmacarar comportamentos suspeitos ou absolutamente cínicos.
Há silêncios com gosto de merengue, outros com sabor de lágrima, os acre-doces e os picantes. Sem falar nos nauseantes! Há silêncios para todos os gostos.
Há o silêncio das preces, da contrição, da meditação, e o silêncio da aurora.
Há os silêncios que prescindem de palavras; momentos mágicos, onde o olhar pode substituir um milhão delas. Pena que durem pouco...
Há, por outro lado, o silêncio da indiferença, quando a falta de palavras nem é intencional, na maioria das vezes, mas uma profunda lacuna entre o querer dizer e o ter o que dizer.
Há o silêncio do adeus e o silêncio da ausência.
Os silêncios podem ser moduladores de uma relação, principalmente quando são de mão dupla. Sim, porque enquanto um dos dois não silencia, sempre há a esperança de algo a ser dito, umas palavrinhas simples, um pequeno afago verbal, um adjetivozinho de nada, ou ainda um reles substantivo. Porém, quando as bocas estão seladas para o riso, para o beijo e até para as palavras, é sinal de que as boas lembranças já ficaram lá longe, o sonho se desfez, que nem nuvens esvoaçantes, e a vida segue seu curso com todos os ruídos que a fazem tão rica e, ao mesmo tempo, tão marcada por silêncios.
 
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Publicado por Lílian Maial em 22/03/2009 às 22h50
 
19/03/2009 20h50
SCENARIUM
SCENARIUM
® Lílian Maial

 
 
Hoje me dei conta de que não possuo mais a poesia de arroz com feijão.
Eventual salmão grelhado, regado a um doze anos, não verei teu despertar dos sonhos, e meu pesadelo é não saber de teus cuidados.
O cenário é outro. Sou proibida de te afagar as dores, de te acalentar os medos ou de apenas atenuar a febre.

Teu balbuciar, ao acordar da anestesia não me pertence, como não é meu nome que tua voz pronuncia, nem é minha a alegria dos teus olhos a cada nova conquista.
Percebi o grão de areia no vasto oceano das lembranças, levado pelas ondas que nem se dão ao trabalho de perceber a sílica. Areia despercebida numa praia onde o velho sol nasce e se põe, sem nem se importar se há ressaca.
De repente a finitude se amontoou no horizonte das palavras. Os versos enrubescem ante a inocência tola de uma rima equivocada, e o verbo perde a ação depois de tantas desinências.
Os dias passam sob narcose e a incisão profunda nem sempre dói.
Mas o tempo brinca de roda com a solidão do dia seguinte, e um fio de ontem se esparrama nos lábios, com gosto de surpresa.
A madrugada revela que não é ilusão a dor fantasma da amputação insidiosa.
O ar existe, a chuva cai, o vento venta, o sol se ergue e se esvai, o mar se encrispa, a flor se abre, o pássaro canta, o pinho chora.
Só que hoje me dei conta de que não poderei velar teu corpo.
 
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Publicado por Lílian Maial em 19/03/2009 às 20h50
 
08/03/2009 11h24
FLORES NO DIA DA MULHER

FLORES NO DIA DA MULHER
®Lílian Maial
 
 
Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Não é um dia de enaltecer a mulher por ser perua ou bonita. É um dia em que celebramos as conquistas e avanços da mulher, pela luta por direitos iguais, respeito e livre arbítrio sobre sua mente, corpo e espírito.
 
Hoje recebi flores, enquanto a maioria receberá espinhos. Apesar disso, as flores não perdem seu perfume, sua beleza e seu encanto. Foram muito bem-vindas, até porque simbolizam a admiração de quem as envia.
 
Minha filha também recebeu flores, e, dentro de sua visão igualitária, por outro ângulo, se sentiu diferente de mim. Para ela, receber flores embute o significado de fragilidade, que é justamente o que se pretende desmitificar com a comemoração da data. Para ela, há um certo desvirtuamento da comemoração. Ela acredita que as mulheres usem esse dia para serem paparicadas e homenageadas, mesmo que, no dia seguinte, apanhem e calem.
 
Não deixa de ser uma observação interessante. Talvez eu esteja errada em me alegrar de receber flores. Talvez eu devesse me armar e estraçalhar as flores - coitadas - que pagam o pato, afinal.
 
Não sei até que ponto ser sensível e delicada, e ter isso reconhecido através da simbologia das flores, possa ferir a luta pela liberdade e igualdade de direitos.
 
Quando temos nosso ponto de vista, estamos tão acostumados a ele, que uma alternativa parece absurda e inverossímel. No entanto, ao longo dos anos, aprendi que sempre há dois lados da moeda. Aprendi a ponderar e rever meus conceitos.
 
No fundo, se fossem flores de uma pessoa qualquer, que não me conhecesse no mais profundo de mim, eu até poderia pensar na hipótese de minha filha. Mas se quem lhe  envia flores e felicitações é pessoa que sabe quem você é, que sabe da sua luta para defender quem não tem voz, sabe o quanto você é guerreira e feminista, sem deixar de ser feminina, aí as flores têm outro significado, e, mais uma vez, me orgulho de ser mulher, de ser feminina, de gostar de flores.
 
Sou, como mulher, por obra da natureza, sensível, delicada, maternal, cuidadosa, perfumada e colorida. Nem por isso deixo de ser forte, esteio, arrimo, guerreira e corajosa, como qualquer fêmea animal.
 
Assim, depois da ponderação, aceito as flores e felicitações, como forma de reconhecimento de que, mesmo feminina, delicada e sensível, sou lutadora e vitoriosa nas conquistas que a mulher vem alcançando ao longo dos séculos.
 
Parabéns a todas as mulheres que ousam. Parabéns às que defendem aquelas que calam, por não saberem ou não terem como agir de outra forma. Parabéns aos homens que nos reconhecem como seres humanos complementares uns dos outros, machos e fêmeas.

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Publicado por Lílian Maial em 08/03/2009 às 11h24
 
06/03/2009 18h42
Aborto é mais grave do que estupro?
®Lílian Maial


 
Às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, abro o jornal e leio a notícia absurda (no mínimo, hilária) da excomunhão da mãe e da equipe médica que cuidou da interrupção da gravidez de uma menina de apenas nove anos de idade, estuprada pelo padastro inúmeras vezes, grávida de gêmeos, com apenas 1,33m de altura e baixo peso, ou seja, uma criança grávida, apresentando risco de vida.
Pior que a excomunhão – que só assusta beatos e mentes obtusas – foi a declaração, essa sim, digna de excomunhão, de que o aborto seria pior que o estupro. Não me contive! Não acreditei no que estava lendo! Um dos atos mais bárbaros, baixos, cruéis, humilhantes, torpes, hediondos, criminosos, arriscados e um sem número de outros nomes menos soletráveis, ato esse combatido veementemente pela sociedade, a lei e até entre criminosos praticantes de outros delitos, sendo incentivado pela Igreja! E mais, com o apoio do Papa! É o fim da picada! É o absurdo dos absurdos! Além de não considerar a vida da criança – já molestada e afetada psicológica e fisicamente de tudo quanto é maneira – a Igraja ainda, por tabela, incentiva essa prática nefasta, uma vez que seu representante – um arcebispo – declara em alto e bom som que o estupro não tem a mesma gravidade de um aborto, mesmo os liberados pela lei!
Ora, para a população de uma área onde a impunidade impera, onde o machismo domina, onde são considerados verdadeiros ícones os animais que praticam esse tipo de delito (como uma série de outros atentados violentos contra a mulher), tal declaração do arcebispo caiu como uma luva, um consentimento - agora de Deus (afinal, ele é um de seus representantes aqui na Terra) - para que os homens possam não só arbitrar sobre o corpo da mulher, mas ter permissão divina de praticar qualquer ato que julgue aprazível, já que nem Deus condena.
É inacreditável!!!
Por outro lado, a equipe médica, que habilmente percebeu o grande risco de morte da menina, por sua tenra idade, seu parco desenvolvimento físico e pela gestação gemelar ainda por cima, agiu com consciência humana e profissional, na nobre (e muito pouco compreendida) missão de salvar vidas. E vidas que já existem, que já têm história, que já nasceram e possuem uma identidade, cidadãos com noção completa da realidade.
Penso que é intensamente curioso o raciocínio da Igreja e dos contrários à descriminalização do aborto, que ostentam que defendem vidas indefesas, mas não titubeiam em condenar uma menina de nove anos, já tão sofrida desde os seis, ou de atirar menores carentes e abandonados, filhos daquelas que eles não permitiram o aborto, num mar de lama, violência, marginalidade e falta absoluta de oportunidades.
 
Que retrocesso para as mulheres!
Transitoriamente cheguei a perder até a vontade de comemorar o Dia Internacional da Mulher. O que temos a festejar, diante desses absurdos?
Mas aí vem a certeza de que só alardeando a luta das mulheres pelo respeito, o direito de igualdade e, mais ainda, uma certa proteção, por sua fragilidade física, diante da força do homem, é que poderemos galgar os degraus que levarão as futuras gerações a ter seus direitos respeitados, assim como nós, mulheres de hoje, temos muito mais participação social do que há um ou dois séculos, não fossem os grupos de mulheres corajosas e batalhadoras por um mundo melhor e igualitário.
Eu condenaria, destituiria e excomungaria esse arcebispo, pela prática da insuflação popular de crime previsto em lei.
Quanto ao padrasto animal, certamente o aguarda a prisão numa cela cheia de machões que vão adorar recebê-lo como novato...
 
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Publicado por Lílian Maial em 06/03/2009 às 18h42



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