Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
20/08/2008 20h08
AS TANTAS ROSAS DE UMA ROSA
 

AS TANTAS ROSAS DE UMA ROSA
®Lílian Maial 



As cores mudam, mas a fragrância é a mesma. Quantos perfumes têm uma rosa? À primeira vista, são todas iguais, portanto, um só perfume. Contudo, se você as observar com o cuidado de um jardineiro fiel, verá que há muito mais que uma rosa em uma rosa. 

Assim são as pessoas. Não se pode rotular alguém por um único aspecto, pois cada ser humano é vários. Somos basicamente mutantes e, a cada década, mais e mais mudanças. 

O passar do tempo não é percebido no dia-a-dia, mas através do estado de espírito e das pancadas que levamos. Depois de uma surra, o corpo reclama. Depois de muitas, aceita a dor e, em muitos casos, a espera. 

Hoje, conversando com uma rosa, ela me contou que, de repente, havia percebido que tinha a idade cronológica, e que não havia notado, até então. Seriam os hormônios? Será o jardineiro, o adubo, a claridade? Não, minha espevitada rosa, nada disso, ou tudo isso. O peso dos anos se faz presente em nosso eu flutuante. Somos como uma armadura, que carrega uma pena flutuante por dentro e, a cada movimento nosso, a pena é soprada para um lugar, ora mais alto, ora mais baixo, porém sem nunca atingir o chão. No instante em que a armadura se verga e perde os movimentos, aí, sim, a pena vai baixando, vai baixando, vai baixando... E parecemos sentir o peso dos anos sobre ela. 

Os tempos hoje são outros, ou nós é que vemos tudo com mais reserva, com menos esperança, ou apenas com menos tempo, sem condições de termos tanta pressa. E tal inexorabilidade pesa. A consciência da morte cada dia mais próxima e inevitável passa a fazer a vida pesar. 

Tento aprender com as rosas, que brotam delicadas em meio a espinhos, e que deixam seu perfume no instrumento que as cortam. Tento viver apenas com otimismo e alegria, aceitando o machado e a poda com galhardia, embora entenda como se sente uma flor seca no meio de um livro, toda vez que sei de bombardeios, mortes desnecessárias, famílias desmanteladas, cidades em pânico. 

Tento e tento e tento e tento. Estou tentando agora. Mas sinto a água secando, as pétales ameaçando cair, o perfume não tão marcante. Preciso de água desesperadamente! Reguem-me! Reguem-me! Reguem-me! Ou façam logo de mim um arranjo de enfeitar o podium de alguém que ainda exale aromas e quebre um record olímpico. 

O homem se supera na adversidade, na verdade e na maldade. O homem me surpreende mais e mais. Por isso, prefiro as rosas. Todas as rosas de uma rosa.

*********

Publicado por Lílian Maial em 20/08/2008 às 20h08



Site do Escritor criado por Recanto das Letras
 
Tweet