Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
24/08/2008 15h07
BRASL OLÍMPICO

BRASIL OLÍMPICO
®Lílian Maial


Para um país que ousa se candidatar para sediar Olimpíadas futuras, o Brasil ainda tem que galgar posições mais elevadas no “ranking” da educação, da saúde e dignidade para seus habitantes.

De que adianta se pensar no significado de sediar uma Copa do Mundo, um Pan-Americano ou uma Olímpíada de qualquer coisa, quando nossos jovens não recebem incentivo algum oficial para a prática atlética de esportes e seu aperfeiçoamento, a ponto de atingirem marcas de superação para figurarem nas eliminatórias de uma Olimpíada?

Não temos tradição de esportes outros, que não seja o futebol. De uns anos para cá, talvez o vôlei, basquete, mas certamente não como o futebol, muito menos ginástica olímpica, saltos, e outros esportes, dos 230 disputados.

Causa-me certo constrangimento verificar o minguado 23° lugar do Brasil em medalhas, quando sabemos que teríamos condições – pela nossa miscigenação, que garante resistência, habilidade e criatividade em qualquer esporte – mas que somos boicotados pela absoluta falta de interesse do governo em relação ao esporte, às artes em geral, à educação e à saúde.

Um governo que, a cada eleição, prima por destruir o que os antecessores construíram, na tentativa de apagar seus feitos e os sobrepujarem, sem pensar na continuidade do que deu certo e poderia melhorar, não pode ostentar sediar um evento desse gabarito.

Muitos dos países que ficaram à nossa frente estão bem abaixo de nós na escala de atletas talentosos, porém, seu governo, apesar das dificuldades, investe na formação dos jovens, na educação pelo esporte, na promoção de saúde e a liberdade através da conquista, e forma, ano após ano, a tradição nos diversos esportes. Nós sói ligamos para o futebol e fórmula 1, esse onde os praticantes são da elite dos favorecidos.

Há uma discrepância relevante, em nosso país, no apoio finaceiro aos esportes. Vemos nossos jogadores de futebol ganhando fábulas, sendo disputados por países ricos (muitos deles nem tão geniais assim, haja vista o desempenho nessas Olimpíadas), enquanto atletas de diversas áreas, verdadeiros heróis, pedem desculpas em frente às câmeras de televisão do mundo todo, por não terem conseguido ultrapassar os concorrentes, esses bem treinados e dedicados exclusivamente aos treinos, sem necessidade de ganhar a vida de outra forma, e com tradição esportiva por trás deles.

Um absurdo! Nossos jovens deveriam receber bolsas dignas do governo para a prática e dedicação exclusiva aos esportes – já que as bolsas estão em moda – assim como os treinadores, para que pudessem nos representar nas vitórias, como certamente aconteceria, dada a gama de atletas anônimos que nossa raça proporciona.

Deveria haver “Brasileirão” também de basquete, vôlei, hipismo, judô, atletismo, com os clubes lotando os estádios de torcida organizada. Não há propaganda, incentivo, porque não há interesse oficial.

É lamentável que a mentalidade do povo, também, se deixe impregnar pela propaganda de ídolos estrangeiros, que cresceram bem alimentados, com total apoio do seu governo, que tiveram oportunidades – essas, sim, de ouro – para, então, conseguirem, como conseqüência natural, as primeiras colocações.

Lamentável vermos a atleta ser prejudicada no salto com vara, porque a equipe não checou seu material, e ela mesma ter de reclamar e se desconcentrar para conseguir outra vara...

Apesar dos pesares, temos e tivemos atletas de peso, como o Cielo, o Diego Hipólito, o João do Pulo, Pelé, Garrincha, Ademar Ferreira da Silva, as meninas do futebol, os meninos de ouro do basquete, os meninos e meninas do vôlei, os meninos que velejam, os judocas, as Jades e Dianas, que só conseguem chegar lá, porque, de alguma forma, tiveram incentivo das famílias, amigos, professores, treinadores, sem o devido apoio financeiro oficial.

Quantos de nossos jovens envolvidos no tráfico poderiam estar envolvidos em treinos nas escolas, e, a essa altura, figurando no podium? Quantos dos malabaristas de sinais de trânsito poderiam estar brilhando nas barras paralelas, ao invés das grades de um presídio?


Por outro lado, quanto custou à população do Rio de Janeiro a construção de verdadeiros monumentos para o Pan-Americano 2007? Por quatro anos, o povo carioca amargou a falta de verba para a Saúde, Educação, Segurança e Habitação, além de ver toda a verba de Obras ser dirigida ao Pan, sem os devidos cuidados com a cidade. Por quatro anos, a cidade ficou mais doente, mais violenta, mais sofrida, para, ao final, não haver o retorno esperado em cifras, nem em incentivos esportivos dali em diante.


A emoção estampada nos rostos dos nossos atletas vitoriosos - e o choro conseqüente – não foram apenas pela vitória, que é ótima, mas um desabafo pelo imenso sacrifício que a maioria passou anos a fio, sem o mínimo de reconhecimento ou incentivo governamental. Sacrifícios pessoais, financeiros (as parcas bolsas são ridículas) e profissionais, pois um atleta, para chegar às Olimpíadas, tem de largar qualquer outra atividade e treinar diuturnamente, enquanto nossos dirigentes não enxergam o bem do povo, mas do próprio bolso, alimentados nos paraísos fiscais. Isso é tão atávico, que já consideramos normal, como passar por pedintes e famílias inteiras nas ruas, sem um mínimo de dignidade, e sequer termos pena, somente medo. Isso é tão normal, que buscamos um candidato que “roube menos” ou que “roube, mas faça”.

A solução já foi apontada há décadas. Desde o início do século passado, Oswaldo Cruz erradicou doenças que estão voltando e massacrando a população. Educadores já mostraram diversas vezes os caminhos e foram deturpados pelo eleitorismo. Policiais íntegros e comprometidos já denunciaram falcatruas e foram afastados, e nunca mais ninguém ouviu falar de seu paradeiro. Inúmeros jovens foram "desaparecidos", em nome da liberdade, e se foram em vão, pois a dita "liberdade" veio anos depois, fantasiada, pois somos todos, no fundo, escravos do medo, da má qualidade de vida, do velho "pão e circo", sem o verdadeiro direito de ir e vir, aprisionados nas residências.
Nessas épocas de eleições, nós nos inflamamos, esperneamos, damos palpites, mas mesmo nossas vozes se tornam roucas, de tanto ecoarem no vazio. É pena.

Agora, na volta, é importante valorizarmos nossos atletas, com ou sem medalhas, porque são verdadeiros heróis anônimos, sem medo de se exporem ao ridículo e sacrificarem suas vidas para o orgulho (?) de uma nação inerte.

Rogo que cada medalhista brasileiro exiba suas medalhas com orgulho, receba nosso carinho e reconhecimento, mas que não permita que políticos interesseiros tentem aparecer como colaboradores, uma vez que nunca sequer deram atenção a essa fatia da população que, como o restante, luta no desamparo político.


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Publicado por Lílian Maial em 24/08/2008 às 15h07



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