Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
07/08/2009 18h01
CARTA AO MEU PAI
Com a proximidade do Dia dos Pais, foi me dando uma saudade tão grande do meu, que já faleceu há tantos anos, mas continua tão presente, que decidi expor uma carta que escrevi a ele, no ano em que morreu. Aí vai:

Carta ao meu Pai 

                      
®Lílian Maial

 
Paizinho, 1983 foi um ano muito ruim para mim, pois foi o ano em que nos separamos definitivamente, sem volta, sem tempo.

Você sempre foi importante, e não é só agora que eu percebo isso, não! Já sabia disso quando, em vida, eu o olhava mesmo sem você notar. Já sabia disso quando acordava de madrugada, assustada, e ia, na ponta dos pés, verificar se você estava respirando, reparando se havia movimento de subida e descida da sua barriga gordinha, e se podia ouvir seus roncos.

Sabia que amava você, e o quanto amava, quando dizia, com orgulho, de que pai eu era filha; quando afirmava que você era o maior e melhor cozinheiro de quibes do mundo, e o pai mais atencioso; quando ouvia mamãe contar que você trocava as minhas fraldas e vigiava meu sono, nas crises de asma; quando você fingia que estava dormindo, quando eu chegava tarde em casa, ou quando me deu o meu primeiro isqueiro, enquanto eu imaginava que levaria a maior bronca, por estar fumando escondido.

Amei você, mais ainda, quando você teve uma derrocada na sua vida, ficou desempregado, tão frágil, tão meu filho, embora não tenha titubeado em sair carregando sacolas pesadas pelas ruas, no meio de gente vil, suportando todo tipo de humilhação com galhardia, depois de já ter sido diretor de empresa, só para me ver médica, instruída e com sorte melhor que a sua.

Ah! Como eu amei você ao entrar na igreja segurando sua mão gelada, e como tive medo também de você ter novo infarto, de pura emoção!

Você não sabe como eu estudei para ser médica pra você, pra cuidar de você e prolongar tão egoisticamente a sua vida, tão fundamental para mim!

Como eu tentei me reproduzir em netos para você, lhe dar a Bruna, pra você também colocá-la para dormir “toninhozinho na caminha de soldadinho¹. Você nunca pôde brincar de vovô, mas não brincou em serviço enquanto foi papai.

Agora que você se foi, essas coisas perderam temporariamente o sentido. Sabe, a vida de quase todos continua igual, mas muitos sentem a sua falta, inclusive pessoas que nem chegaram a lhe conhecer!

Estou sentada na cadeira do “El” (aquela que você adora) e sinto que você me ouve, embora tudo o que escrevo, agora, você já sabia antes.

Nossas datas festivas serão sempre desfalcadas da sua presença e preenchidas por saudade, a começar pelo Natal, que você fazia tão peculiar.

Suas coisas, seus jeitos, suas palavras e pensamentos estão tão vivos, que é difícil acreditar que você nunca vai chegar dessa viagem. Será que, na última hora, a chave não vai virar a fechadura da nossa porta?

Pai, você vai sempre ser meu pai, você está vivo dentro de mim sempre – meu turquinho – meu menino apavorado de morrer e me deixar, de olho arregalado quando passava mal. 

Meu pai leal, amigo, companheiro, risonho, bisonho, sangue quente e suave, lá do Piauí. Queria que você soubesse que eu amo muito você, que sinto sua falta pra diabo e que acho que a gente ainda se encontra.

Queria lhe agradecer por ter-me feito muito feliz, por ter sido meu amigo, com quem eu sempre contei.

Queria lhe dizer pra cuidar bem da parte minha que foi com você, como eu cuido da sua, que está comigo.

Queria lhe abraçar, neste Natal, com o mesmo nó na garganta dos outros anos, e implorar, em pensamento, que aquele não fosse o último.

Queria, por fim, beijar suas bochechas e sua carequinha, e morrer feliz depois, pois estaria na segurança dos braços do MEU PAI.

Sua filha,
 Lílian
                         
             Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1983.

 

PS: Após vários tratamentos a que me submeti para engravidar, dos quais meu pai participou, me acompanhando, quando meu esposo não podia, finalmente engravidei do tão ansiado neto, hoje com 24 anos, e que tem o nome dele, mas que ele não conheceu. Três anos depois chegou a Bruna, que ele já conhecia de folclore. Há treze anos, chegou o caçula, que é extremamente parecido com ele.

 
¹expressão que ele usava para me enviar para a caminha, que tinha um soldadinho desenhado na guarda da cama

Publicado por Lílian Maial em 07/08/2009 às 18h01



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