Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
01/01/2007 16h21
A RESSACA DO DIA PRIMEIRO – VERSÃO 2007
® Lílian Maial


Hoje é o primeiro dia do ano de 2007, e eu me deixei acordar tarde, aproveitar a preguiça, um pouco diferentemente dos anos anteriores.

O ano de 2005 foi um dos mais difíceis da minha vida, e o de 2006 foi uma espécie de reestruturação, de arrumação da casa.

Assim, para a passagem de 2006 para 2007 não programei festas, ou casa cheia ou visitas, ou praia, mas a calma e a paz do lar, junto aos entes mais chegados, sem grandes extravagâncias, mas com muita alegria, carinho e luz.

Abrimos uma garrafa de champanhe à meia-noite, observamos os fogos de artifício colorindo o céu nublado e chuvoso, nos cumprimentamos com muito amor, recebemos alguns telefonemas e demos tantos outros, para aqueles que fazem parte de nossas vidas, porém distantes fisicamente.

Dormimos tarde, pois ainda fomos arrumar tudo e ver um filme na televisão.

Por isso, me permiti levantar mais tarde, ficar de preguicinha na cama, principalmente porque percebi que o dia amanhecera ainda com uma chuvinha fina e refrescante, convidando ao aconchego dos travesseiros: a velha manhã de ressaca!

Parece que o sol está de recesso nesse final de ano, aqui no Rio de Janeiro, deixando a chuva fazer as honras da casa um pouquinho, já que ele sempre rouba a cena.

Como não havia exagerado no champanhe, não estava com aquele velho gosto de cabo-de-guarda-chuva na boca, ao contrário, estava disposta, descansada, renovada!

Caminhei pela casa e encontrei minha mãezinha, já bem esperta, guardando louça lavada na véspera, com carinha feliz. Fizemos um gostoso café da manhã, e aproveitamos para colocar os assuntos em dia. Muito bom tomar meu desjejum com a minha mãe, depois de tanto tempo (ela é teimosa e prefere não morar perto dos filhos)!

Juntas, fomos beijar as crianças, que ainda dormiam satisfeitas em suas caminhas, e pudemos constatar que 2007 já começava bem, com nossos maiores tesouros ao nosso alcance.

Meu filho caçula pouco depois se levantou, ainda com carinha de quem não estava bem acordado, e presenteou-nos com um abraço gostoso e impagável.

As ruas estavam desertas, muitos vizinhos viajando, mas o movimento voltava aos poucos, como um lento despertar para a vida.

De repente, sem se saber bem a razão, veio esse sentimento repetitivo todos os anos, de sensação de despedida, de adeus a um ano que se foi, mesmo sendo apenas uma tola passagem de calendário, mas com um simbolismo cultural universal.
Um ano de árdua reconstrução, trabalho intenso, ordenação das prioridades, reestruturação.
Um ano de luta, cujos frutos estavam previstos para 2007.
Ao pensar dessa forma, a sensação foi se dissipando, e uma alegria de adolescente que se lança numa empreitada de aventura se apodera do meu espírito, e afasta qualquer tristeza insistente.

Não! Definitivamente não é momento de tristezas ou sentimentos negativos. Não para mim! Não para quem segurou a onda nesses últimos dois anos, uma barra muito difícil e pesada, não só por mim, mas por ver as dificuldades e descaminhos daqueles que também amo.
Eu mereço mais, mereço alegrias, compensações e a colheita do que plantei em fases turbulentas e de estiagem.

Sei que 2007 é o ano em que ultrapassarei as barreiras que me impus, os limites que me supus e os sacrifícios inevitáveis.
Então tenho mais é que me regozijar com os brindes, as felicitações e a graça de estar viva, com meus queridos e com a minha força e a maior dádiva de todas, que é a liberdade.

Havia feito muitas promessas nos anos anteriores, e me desdobrei ao máximo para cumpri-las. Este ano, nada prometi, a não ser me manter no caminho que escolhi, e me esforçar para não perder o pique e o rumo daquilo que consegui realmente cumprir.

Para o ano que se inicia, além da gratidão por tudo o que me aconteceu de positivo - e até pelo negativo (que é assim que se aprende a valorizar o que realmente tem importância – meu lado Pollyana) – guardarei o silêncio da espera.
Talvez nada de mais me aconteça, porém não me imporei novos sacrifícios além do absolutamente necessário.

Deixarei a vida me levar um pouco, como um capitão que já traçou a rota, já passou pela tormenta, e espera ver terra em breve.

Ainda não passei a minha agenda a limpo. É uma coisa chata, mas fundamental. E todo ano, nessa mesma ocasião, encontro aqueles nomes que eu deveria ter visto mais, aqueles que deveria esquecer, e alguns que sei que me esqueceram. Faz parte.
Mas ainda não a passei a limpo.
Decidi não mexer nisso nesse início de ano e nesse começar de férias.

Esse ano, resolvi fazer tudo diferente dos anos anteriores e vou relaxar.

Já são 16 horas, já vi almoço (enterro dos ossos), arrumei tudo, e vim rever meus escritos, meu cantinho que é só meu: minhas letras! Elas são uma extensão dos meus dedos, da minha língua, dos meus olhos, boca, nariz, pele e sonhos. Elas nem sempre obedecem ao meu cérebro, ao meu pensamento, ou à minha lógica. Contudo, elas sabem de mim. Sinto que me amam e odeiam com a mesma intensidade que eu a elas.
Ontem, por exemplo, elas se acabaram de champanhe e vinho, que eu nem bebi. Elas estão de ressaca, dor de cabeça e mau humor. Eu não. E elas me detestam por isso. E eu as invejo também por isso. Então entramos num acordo, e elas me deixam aproveitar delas, como eu as empresto minha energia e vida.

O céu continua nublado e chovendo aquela chuvinha fina e refrescante. Imagino o que se passa nas outras casas. Penso no que seria diferente, na dependência das minhas escolhas nos anos anteriores, e imediatamente me recordo da teoria do caos, do efeito borboleta, e a mente divaga nos mais variados caminhos.

Levanto, vou até à varanda. Não há borboletas ou rostos conhecidos nas ruas. Um homem de bicicleta pedala na chuva do outro lado da calçada, indo para algum lugar. Onde seria?
E por que não poderia ele pedalar no primeiro dia do ano?
Por que eu não tenho uma bicicleta?

Talvez ele não tenha flores na varanda e, de ontem para hoje, uma flor se abriu na minha varanda.

Sorrio com esse pensamento e verifico que, além da folhinha, da tecnologia e das minhas promessas, nada realmente mudou no mundo em mais de dois mil anos.

Feliz 2007!

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Publicado por Lílian Maial em 01/01/2007 às 16h21



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