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29/12/2020 11h35
FIM DE ANO
Lilian Maial
Minha agenda está cheia de vitimas,
amarelada de pantomima.
Não tolero mais as mesmas ladainhas!
Quero sossego!
Os dias andam chatos,
necessito conhecer gente nova, cabeças mais abertas, pessoas sem doenças!
Médico atrai gente doente.
E poeta?
Será que eu deveria escrever mais poemas? Esfregar uns versos na cara e sair fantasiada de soneto?
Certamente atrairia risos.
É o quanto basta.
Não quero mais ouvir lamentos. Tenho guardados todas as queixas do mundo.
Sei de cor todos os choros e tristezas.
Não escolhi esse destino. Ou teria tecido essa trama de alguma forma?
A existência é um turbilhão de sentimentos confusos, entre a falsa paz com um alto custo, ou a solidão festiva barata. Aliás, tudo o que me lembra barata é de mau gosto.
As pessoas passam com suas histórias,
eu só observo,
imagino suas casas e seus amores.
Romântica, gosto de felizes para sempre,
do jeito que der.
Não deu. Paciência.
Sou apegada a rotinas e abismos.
Tenho muitos cortes sob a pele, que o sol doura e ameniza.
Minha alma solar é desalmada
e queima as reservas que não tenho.
A musa me deu as costas,
deu de ombros e sumiu no vão das rimas.
Que seja!
De nada adianta escrever poemas,
quero escrever poentes.
Outro dia mesmo era futuro.
No fim da linha ainda procuro o começo.
Talvez seja isso: recomeçar todos os dias e morrer na praia. No meio-tempo, me debater em versos.
Hoje encontrei mais uma linha. Um verdadeiro mapa mundi na face.
Tantas viagens ao redor de mim.
Malas abarrotadas de ontens.
De volta ao lar, o cão abana o rabo e me acena ternura.
Hora de abraçar o vento e desculpar o tempo.
Ainda não anoiteceu.
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Publicado por Lílian Maial em 29/12/2020 às 11h35
19/08/2020 21h02
RECOLHO-ME AO ABSTRATO
Recolho-me ao abstrato
I.
Recolho-me ao abstrato dessa parede.
Quadros, fotografias, memórias...
Nada traduz o minuto!
A morte encerra todos os ciclos.
As dores se vão e, em seu lugar, a salvação.
Não sei o que ela tem de tão apavorante.
Seja bem-vinda, pois!
2.
Não! Não me ronde!
Tenho muito medo!
O que será de minhas plantas, quando eu me for?
E todos os versos que ainda não passei para o papel?
O que acontecerá com meus pertences, os bilhetes guardados de amor, as pequenas recordações de viagens, os batons preferidos?
Olhando bem para as paredes do meu quarto,
ainda há espaço para pendurar incertezas.
Uma cortina de “voil” baila na penumbra, pequena barreira de esconder saudades.
Os velhos livros me observam.
Não cumpri a promessa de lê-los todos.
Algo de chamamento nas lombadas enfileiradas.
Pairo sobre um livro de poemas de um tio-avô (sim, está no sangue), e penso que ele tenha se tornado imortal naquelas páginas.
Alento.
3.
A misteriosa dama chega cada dia mais perto. Seu manto de sombras a deixa imperceptível.
Só poetas a percebem - a agonia dos bardos!
Ninguém mais acredita nela, ou tem tamanha intimidade.
Ela sorri.
Zomba de meus tolos versos.
Mostra a carga viral de sua foice,
Que já levou tantos incrédulos.
Muda de lado.
Mostra a navalha que corta as artérias dos inocentes.
Ela não sabe o que faz.
4.
Levanta-se de súbito.
Não! Ainda não! Tenho tantos planos por concluir!
Será assim?
Tudo inacabado, interrompido.
Minha ansiedade não permite.
Ela terá de esperar.
5.
Enquanto isso, na rua em frente,
uma animada festa desafia os decibéis da solidariedade com os reclusos.
O ponto alto da cidadania.
Essa tarefa não terei tempo de acabar.
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Publicado por Lílian Maial em 19/08/2020 às 21h02
14/11/2015 15h25
SAUDADES
SAUDADES
Lílian Maial
Hoje, em pleno voo de volta para casa, meus mortos vieram me saudar nas nuvens.
Estavam desenhados com as mais diversas formas, numa alegria de mortos.
Não pude vê-los em suas respectivas nuvens, mas sabia qual era a de cada um.
Meu pai morreu num dia como o de hoje, há 32 anos. Não consigo computar os anos em suas distâncias. É como se eles tivessem sido compactados na minha memória.
Muitos outros vieram me cumprimentar, bailar nas minhas lembranças.
Eu pude revivê-los. Uma viagem no tempo.
Por alguns instantes, quis poder tocá-los, sentir seus cheiros e o calor de seus corpos.
Cheguei dessa viagem com mais saudade e muito mais certezas. Não pretendo desperdiçar abraços e palavras de afeto. Vou dizer o que sinto, sem pudores infantis. Nunca se sabe quando não mais se vai poder ter ao lado as pessoas que passam por nós e que nos são caras.
Então, também por isso, quero gritar, hoje, agora, que te amo!
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Belém, 30/08/2015
Publicado por Lílian Maial em 14/11/2015 às 15h25
14/11/2015 15h05
TRINTA ANOS
®Lílian Maial
Trinta anos, trinta dias, trinta minutos... Quando foi, mesmo, que fizemos a faculdade?
Foi ontem, quando lutávamos por nossas ideias entre uma aula e outra.
Anteontem, uma comemoração no bandejão ou na birosca no final da trilha.
Hoje, um tempinho de nada logo depois, e temos tantas histórias para contar, temos o registro de mais de 300 vidas entrelaçadas pela vida!
Sempre ouvi as histórias dos pacientes, seus anseios, seus medos, suas dores, conquistas, amores. Mas hoje quero ouvir e saber de você.
Como viveu até aqui? Conseguiu o que sonhou? Encontrou o amor? Tem família? Ainda tem sonhos por realizar? Nesses anos todos, pensou em nós, em nossos caminhos por tantas aulas cruzados? O que aprendeu e ensinou nesses 30 anos?
Todo ano, no Dia do Médico, penso em você. Penso em como você deve viver Seu Dia: um trabalho de parto pela madrugada, uma cirurgia na hora do almoço, uma aula para os filhos de alguém, quando você nem ouviu o seu dizer, pela primeira vez, “papai” ou “mamãe”. A cada ano, renovamos o juramento que fizemos ainda crianças, quando brincávamos de médico e sabíamos que não escaparíamos do destino.
Uma vez escrevi que a poesia era um vírus que eu havia pego na infância: meus amigos tinham catapora, eu tinha poesia. Hoje eu sei que contraí diversos vírus, e a Medicina foi um deles. Pequenininha já sabia. Acostumei com a brincadeira de criança. Eu me pari de branco.
Cansaço? Sim. Decepções? Muitas! Mal remunerados? Tremendamente. Desistiria? Jamais!
Se há algo a lamentar, foi apenas o fato de não poder ter conhecido você mais profundamente.
Fui muito feliz com você, em cada dia que nos vimos. Você faz parte do meu passado que voltou ao presente, como uma gaveta querida, onde encontrei uma jóia deixada lá no fundo por muitos anos. E descobri que ainda reluz intensamente!!!
Estou muito emocionada e feliz.
Vocês, minha turma de 1981, são como uma doce tatuagem que a vida imprimiu na minha pele e na minha alma. Estão lá, sorrindo para mim todas as vezes em que olho para o que me tornei.
Sei que o sentimento é comum a todos. A época da faculdade somava muitos valores maravilhosos: juventude, inocência, molecagem, sonhos, escolhas, liberdade, amor, medo (que dá um bocado de adrenalina) e vitória. Não há como não ser feliz.
Cada um seguiu seu curso, porém, sempre ligados por essa linha imaginária que nos transpassa e une, onde quer que estejamos, que é o amor ao próximo e à nossa Medicina.
É muito bom poder comemorar esse dia, sabendo que perpetuamos a fidelidade aos princípios que sempre nortearam nossas vidas desde muito jovens. Tenho muito orgulho de ter convivido com você.
Na minha vida já fiz muitas coisas: já saí na chuva sem proteção de propósito, já comi cobertura de bolo escondida, raspei panela de brigadeiro, raspei as pernas, mudei a cor dos cabelos, das unhas, dos olhos, já engordei, emagreci, já dei boas gargalhadas, já chorei em público (e sozinha no chuveiro), já quis cortar custos, algumas pessoas da minha vida, os pulsos algumas vezes; já apontei estrelas e corri para o espelho pra ver se aparecia verruga na ponta do nariz, já levei tombos sinistros, já tomei porres homéricos, já jurei pra sempre, ri no parto, prometi esquecer e logo me lembrei que não conseguiria, enxuguei lágrimas, desenhei castelos (e morei em alguns suspensos no ar), chupei fruta na feira, me lambuzei de felicidade, me apaixonei pelo obstetra (só até o parto), morri de amor, morri de saudade, morri de raiva, e renasci tantas vezes, só de teimosia, enverguei até o chão, mas nunca quebrei; vi sombras nas paredes, desenhei coisas em nuvens, me apaixonei por artista de cinema, me achei mais bonita que as estrelas, me xinguei mil vezes no espelho, conversei com minhas plantas e fiz confidências a passarinhos, derramei lágrimas de saudade, sorri com a chegada, lamentei não saber das coisas com antecedência e agradeci por não poder prever o futuro; plantei árvores, criei filhos, escrevi livros, e agora eu sei que nada disso teria o mesmo sentido se não fosse por você, que está rindo e pensando que tudo aquilo ou boa parte do que escrevi aí em cima você também já fez ou pensou. E sabe por quê? Porque somos irmãos de sonhos. Somos da mesma geração, da mesma luta, dos mesmos ideais. Temos a consciência coletiva da missão que nos coube e que a vimos cumprindo bem. E a certeza absoluta de que começaríamos tudo outra vez.
Vivamos todos nós!
Parabéns a todos!
Feliz reencontro para vocês, meus amigos! Não estou de corpo presente, mas meu coração está com vocês há 30 anos!
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Publicado por Lílian Maial em 14/11/2015 às 15h05
20/05/2014 16h44
A COPA É NOSSA!
A COPA É NOSSA!
®Lílian Maial
“Os tempos mudaram”... (frasezinha fdp de verdadeira!). Tudo muda o tempo todo no mu-u-un-do... (já cantava Lulu Santos). É isso aí: os tempos mudaram, mas algumas coisas são eternas.
Nasci em ano de Copa, vivi com um pai doido por futebol e cresci amando o Maracanã e o Fluminense. Vivenciei cada Copa do Mundo com a mesma alegria, agitação e barulho. Torcia tanto, que chegava a doer. Passei por Copas do Mundo durante a ditadura (fomos campeões em 1970, auge da loucura e da dor), na abertura e na liberdade. E nunca vi campanha elaborada para fazer com que desse errado.
Agora, de repente, surge um movimento de protesto contra a Copa. Que o dinheiro gasto teria sido mais bem empregado nisso ou naquilo. É como dizer para uma dona de casa menos favorecida que não compre um brinquedo para o filho, que o dinheiro gasto seria mais bem empregado comprando um bife de filé mignon. Não seria. Ele continuaria subnutrido e mais triste sem o brinquedo. Não é apenas com o dinheiro do brinquedo que se resolveria a nutrição da criança. E se fosse, por que mostrar, então, o brinquedo à criança? Por que deixar que ela o segurasse nas mãos, se a ideia não era presenteá-la?
Aqui se fez protesto por 0,20 de aumento no preço da passagem de ônibus, quando os demais itens de necessidade básica aumentavam e ninguém protestava. No mínimo, estranho... Quebraram vidraças, caixas eletrônicos de certos bancos (sempre os mesmos?), mas não distribuíram nada aos menos favorecidos.
Já fui chamada de ufanista recentemente, porque simplesmente não concordo em atrapalhar a alegria do povo.
Está certo que estamos num momento difícil da nossa história, em fase de mudança de costumes, em época de ressentimentos, necessidade de providências imediatas (talvez pela chegada de informações a cada segundo, muitas dessas informações criteriosamente selecionadas, para que nos chegue exatamente o que alguns querem). Enfim, manipulações midiáticas que tanto conhecemos (ou não, como diria Caetano).
Entendo tudo, só não consigo entender o ganho disso. Será que pensam que melando a Copa do Mundo vão melhorar o país? Será que tirar a alegria do brasileiro que ama o futebol (e não são poucos) vai mudar o voto deles? Será que atrapalhar o andamento do evento mundial vai nos colocar bem na fita para o resto do mundo?
Nossa mudança independe de Copa do Mundo e independe – pasmem – do partido político no poder. Nossa mudança depende de nós, do povo, da massa, a começar dentro de casa. Enquanto buscarmos jeitinho individual, não teremos uma nação justa. Enquanto precisarmos de cotas e de tantas leis, é porque a máquina não funciona.
O brasileiro realmente sempre acha que o que vem de fora é melhor, que todo mundo todo presta, menos nós. E eu fico doente de ver isso se repetindo a cada dia.
O Brasil é um país jovem, engatinhando no desenvolvimento, tentando arduamente se colocar no resto do mundo com algum respeito, mas é muito difícil, quando nossos erros crassos advêm de séculos de descaso, vilipêndio e absoluta ausência de história e patriotismo. E não é estragando a Copa do Mundo que vamos mudar isso!
Nossa mudança tem que ser nossa, não interessa ao resto do mundo.
Se tínhamos que protestar contra a Copa, por que não o fizemos na época da escolha do país que a sediaria? Por que não fizemos arruaça, greve e outros que tais na ocasião? Agora, que todo o dinheiro já foi gasto, que todas as iniciativas já foram tomadas, que está tudo programado é que vamos azedar o creme? É comportamento típico de perdedores.
Passamos pela pior fase de nossa história durante a Copa do Mundo de 1970 e ninguém foi para as ruas estragar nada. A Copa foi maravilhosa e não distraiu o povo dos reais objetivos da luta pela democracia. Por que agora? Que medo é esse que vem assolando essa comunidade de panfleteiros?
Será que sou ufanista? Não. Sou brasileira, com muito orgulho, com muito amor. Não sou política, sou poeta. E sou tricolor de coração. E sou seleção canarinho. E quero o hexa, sim, senhor!
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Publicado por Lílian Maial em 20/05/2014 às 16h44
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